sexta-feira, 29 de abril de 2011
Há um rio e o outro lado do rio
E em todos, mas todos os dias que vivo, há sempre lugar para a palavra, para a Poesia, porto seguro neste mundo de (acrescidas) perplexidades.
Não é qualquer ilusão
se estes olhos com que vejo,
olhos brancos e doirados,
revelam que o que faço
me faz a mim, me desvela,
à vela numa viagem
onde não há outro porto
que o mesmo de viajar:
mas o que vejo e revejo,
se me salva e me transporta,
existe aqui com as cores
que não fui eu que lhe dei.
Pedro Tamen,
o livro do sapateiro, D.Quixote
quinta-feira, 14 de abril de 2011
De la musique avant toute chose
Frederico Lourenço tinha razão quando escreveu que a música é uma espécie de cola que junta os pedaços da alma...
terça-feira, 12 de abril de 2011
Os olhos e a memória
1.
Um mar azul
pintou de branco
o voo das gaivotas.
2.
com a lâmpada das suas
asas acesas, a libélula
ignora a noite
3.
o dia lega
à noite, em testamento
a lua.
4. Do sangue e dos músculos
da árvore faz
o picapau um templo.
5.
Despida, à tona
da água, a rã
vê-se ao espelho.
6.
no pico mais alto
da montanha a neve
é azul.
Albano Martins, Uma Rã Que Salta, Limiar
domingo, 10 de abril de 2011
Todo o mundo é composto de mudança
Dois dos melhores intérpretes de Commedia dell'Arte da actualidade
“Tornar-se-ão Bobos! Farão com que todo o mundo rebente a rir, com que cada temor seja envolto numa explosão de riso!”
Inspirada na tradição popular italiana, Fabula Buffa conta o nascimento do contador de histórias com o seu olhar irónico e grotesco sobre uma realidade nem sempre tranquilizadora. Dois pedintes da época pré-cristã, um paralítico e um cego, são milagrosamente curados contra vontade. São agora obrigados a enfrentar a realidade como as pessoas normais. Esta mudança traumática cria duas reacções opostas que conduzem à mesma trágica decisão: a de se suicidarem, quando eis que inesperadamente surge um outro milagre dos céus..."
Assim se refere a imprensa ao espectáculo brilhantemente interpretado pelos actores italianos Fabio Gorgolini e Ciro Cesarano, que tentaram comunicar em "italinês" com o público do Pequeno Auditório do Teatro Rivoli, hoje à noite, no Porto.
Estranho mesmo foi voltar àquele espaço, tão carismático da vida cultural portuense há uns anos atrás enquanto esteve sob a direcção de Isabel Alves Costa, e senti-lo tão descaracterizado.
Fogo sobre Fogo
É tão difícil
manter o equilíbrio
sobre um raio de luz
Jorge Sousa Braga, O Poeta Nu
Assírio & Alvim
quinta-feira, 7 de abril de 2011
"Sinto-me como se tivesse cegado por excesso de olhar o mundo"
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.
A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos