sábado, 25 de dezembro de 2010
Tak Bat e outras singularidades
Nao sei bem o que ha de verdade neste dito mas parece ser consensual que o ritmo aqui no Laos e mais lento. No Lonely Planet afirma se mesmo que LPDR significa Lao Please Don t Rush!
Estamos quase a chegar ao fim da nossa digressao pelo Laos. Hoje, num dia de Natal bem singular, vimos a hora do nascer do sol em Luang Prabang, o Tak Bat, o Morning Alms Giving, uma especie de procissao matinal dos monges, que recebem ofertas de comida e reverencias nas ruas por onde passam. Atravessamos uma ponte de bambu sobre o Nankham River, rio que desagua no Mekong, sentamo nos em silencio, vendo os barcos, os vultos dos monges, as hortas, as palmeiras, voltamos ao Wat Xieng Thong, deixamos Luang Prabang e voamos para Vientiane, onde vimos um sol enorme e laranja por se no Mekong.
Muito ficou por dizer destes dez dias, densos e intensos. Memorias ricas a explorar.
Dificil acreditar que e Dia de Natal, que se cumprem os rituais habituais desta epoca, que na Europa ha aeroportos fechados por causa do mau tempo.
Ha tantos mundo no mundo! Nao sei se se trata de metafisica ou tao so de diversidade de latitudes e longitudes...
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Tum Tum Cheng Cooking School
Por exemplo, hoje. Inscrevemo nos num curso de cozinha do Laos, aberto desde 2001, ministrado por uma discipula do Chef Chandra, com larga experiencia culinaria.
Comecamos por ir a um mercado local Pho See, para aprender a reconhecer os legumes e os ingredientes a utilizar na confeccao dos pratos e, logo ai o nosso pequeno grupo foi olhado com um olhar etnografico pelos vendedores e vendedoras locais. Mais tarde, na cozinha aberta para a rua do restaurante em que tentavamos praticar, devidamente equipados de avental e barrete culinario na cabeca, fomos amplamente fotografados pelos (outros) turistas que passavam.
Mas a experiencia mais forte aconteceu no decorrer do tal trekking de tres dias, na semana passada, nas montanhas do Norte. Caminhamos ao longo de muitas horas, perto da fronteira com a China, por um trilho estreito e sinuoso, que poderia ter sido utilizado por guerrilheiros e contrabandistas. Na primeira noite, pernoitamos numa aldeia Lahu, no alto de uma montanha, literalmene perdida no meio de nenhures, cujos habitantes (seriam a volta de uma centena), viram brancos pela primeira vez ha menos de tres meses. O nosso pequeno grupo despertou entre eles uma enorme curiosidade. Vieram ver nos comer, observaram nos longamente, as nossas caras, as nossas roupas, os nossos gestos, os objectos que transportavamos. So nao nos fotografaram porque nao tinham maquinas fotograficas nem telemoveis.
A diferenca, mora nos dois lados do espelho.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Stay another day!
Tudo se passa com tal intensidade que sinto que tenho materia para escrever durante varios meses. Mas como este posto de internet esta quase a fechar, deixo so o registo de dois momentos altos, dos ultimos dois dias. Ontem, o entardecer num magnigico templo budista, o maior de Luang Prabang, no templo, assistindo a uma cerimonia com canticos e mantras. Hoje, um passeio de barco no Mekong ao entardecer.
Esta uma noite magnifica de Lua Cheia (daqui o eclipse nao foi visivel) e e mesmo insolito pensar em frio, Natal, Dezembro, Familia, rabanadas... Pela primeira vez na vida nao vou estar por ai.
Boas Festas e Bom Natal!
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Da Indochina, com tamarindos
O Mekong Riverside Hotel, onde estamos, fica mesmo mesmo ao lado do grande Rio Mekong.
Hoje nao queria escrever ainda sobre Luang Prabang, a belissima ex capital, em que ainda sao bem visiveis as marcas da colonizacao francesa. O espirito de Marguerite Duras paira por aqui.
Ainda sinto no corpo o trekkingde 3 dias e as 8 horas num mini bus velho, em estradas primitivas,muitos e muitos quilometros de de terra batida.
A experiencias, ou melhor as experiencias vividas ao longo dos 3 dias sao dificeis de resumir, ainda estou em infusao, mas valeu muito a pena.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
De Luan Nan Tha
Hoje foi um dia de pousio em Luan Nan Tha.
Sobre este pais Land of Million Elephants and White Parasol, espero poder vir a escrever muito mais.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Mais um carimbo no passaporte!
Atravessamos montanhas e montanhas verdes ate chegarmos a Luan Pra Bangh.
Projecto de trekking a vista!
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Namascar, B.K.S. Iyengar!
Em todo o mundo, os seus discipulos o saudam e praticam em seu louvor.
Como praticante, desde 2003, desta escola de Yoga, quero agradecer lhe, como costumamos fazer sempre no fim da pratica, os imensos beneficios, espirituais e fisicos, que o Iyengar Yoga trouxe a minha (as nossas) vida(s).
Namascar, B.K.S. Iyengar!
Mekong River
A viagem, num mini bus de 12 lugares, de Chieng Mei ate aqui demorou cerca de seis horas, as primeiras numa estrada principal, com bastante movimento, as ultimas por uma estradinha manhosa e esburacada. Paisagens deslumbrantes, de floresta e montes e montanhas de cumes arredondados como os dos templos khemer, que pude apreciar em pleno, uma vez que vim sentada a janela, no banco da frente.
A estadia na Tailandia, desde o inicio do mes ate agora, surpreendeu me pela positiva, de todos os pontos de vista. A natureza, a delicadeza e simpatia dos habitantes, os templos, os Budas doirados, a comida deliciosa, as massagens ... e esta enumeracao poderia continuar. Juro que da vontade de voltar. Viajar continua a ser, para mim fonte de aprendizagem e descoberta.
E nesta epoca natalicia (que vista daqui me parece tao irreal) tem vindo a ser o melhor dos anti depressivos e anti melancolias que algum dia poderia ter desejado para mim.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Listas de Robinson
Claro que tanto isso, como as picadelas dos mosquitos que parecem apostados em construir arquipelagos no meu corpo, como este meu nariz que desde ontem mais parece uma torneira, sao pequenas contrariedade que, nem de longe nem de perto, me ensombram os dias.
Ja muita agua correu sob as pontes depois do trekking nas montanhas da zona de Pai. A viagem de volta, num mini bus pejado de tailandeses, foi belissima. Estas montanhas do Norte ao amanhecer cobrem se de veus, lembrando as pinturas japonesas. Em Samoeng, a cerca de hora e meia de caminho de Chiang Mei, onde visitamos uns amigos de M., acontece o mesmo. Essa visita a uma familia austriaco tailandesa foi extremamente interessante. Encontrei pessoas da minha geracao que falavam a minha linguagem, embora comunicassemos num ingles imperfeito. No caminho vimos elefantes e bufalos. Na quinta vimos todos os animais domesticos que costuma haver nas quintas dos livros infantis. Ja nao me lembrava como os olhos vermelhos dos coelhos brilham de noite!
Em Chiang Mei estivemos num festival alternativo com concertos, um contador de historias que cantava episodios da vida de Lord Buda com uma folhas rectangulares enormes no colo, exposicao de fotografias e venda de produtos de agricultura biologica, brinquedos, roupas e por ai.
Acabo de me oferecer mais uma bela massagem, que este corpinho precisa de estar bem preparado para os proximos episodios.
Nos proximos dois dias vamos estar a caminho do Laos, de mini bus e de barco... e o que mais adiante se vera.
Estou a gostar muito desta viagem de Robinson, em que cada dia e diferente do anterior, as aprendizagens se multiplicam, o caminho se faz a andar...
PS Ecos destas palavras precisam se!!!
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Uma caminhada na selva tropical
Hoje o ceu esteve todo o dia cinzento escuro, ameacando chuva, mas ate agora so cairam umas gotas. A escolha do dia de ontem para fazer o treking revelou se acertada. Foi uma das caminhadas mais desafiantes e mais ricas que me foi dado fazer em dias de vida. Caminhamos por montes acima, montes abaixo, (up and down, como dizia o nosso sabio guia Jacko). O grupo pequeno, de quatro pessoas, sendo eu a mais crescida, foi se adaptando ao meu ritmo. Caminhada pela selva tropical, densa, povoada de arvores belissimas e unicas, muitas de troncos enlacados. A remake do King Kong poderia ter sido filmada nestas jovens montanhas. De um dos pontos mais altos avistamos as montanhas da Birmania.
Pena que eu continue sem saber descarregar fotos para aqui.
Mais uma prova superada. Um dia verdadeiramente inesquecivel...
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Estou viva e escrevo sol
Festa dos cinco sentidos. Toda a minha gratidao aos deuses!
Uma tarde em Doi Suthep
O cansaco e a estranheza comecam a desvanecer se e a dar lugar a uma sensacao de enraizamento e bem estar. Talvez as estadias anteriores na India tenham de algum modo preparado o terreno, assim como a passagem pelo Mexico e pela Guatemala. Para dar so um exemplo, andar de tuk tuk passou a ser habitual, embora aqui nao tenham taximetros como em Puna. A honestidade e a gentileza dos tailandeses com quem nos temos cruzado deixa me muito agradavelmente surpreendida. Sei que nao sao as ilhas do sul, onde o turismo mais conotado com o pais e mais comum, mas sao sitios onde nos cruzamos com turistas de varias idades e condicoes, sao cidades habituadas a presenca dos ocidentais. Sorriso franco nos labios, os tailandeses desfazem se em atencoes, quando lhes pedimos ajuda.
E e muito bom viajar assim deste modo, construindo a viagem passo a passo. Ter tempo para ficar uma tarde inteira num Templo das montanhas dos arredores, para se deixar habitar pelo espirito dos lugares, sem correrias nem autocarro povoado sempre com as mesmas pessoas que se transportam do solo patrio. Foi o que fizemos hoje. Autocarro local, a baixo custo, na ida e na vinda de Doi Suthep, onde fica um dos templos considerados mais sagrados do Norte da Tailandia. Dificil de descrever, podem sempre digitar Doi Suthep no Google e visualizar as caudas de ceramica verde e amarela de duas gigantescas Nagas (serpentes sagradas) ao longo de uma escadaria de cerca de 300 degraus que conduzem a uma enorme Stupa dourada. Trata se de um sitio de peregrinacao e culto, com as habituais oferendas, gestos e posturas. Acendem se pequenas velas amarelas, queima se incenso, deixam se flores de lotus junto das estatuas que representam as muitas figuracoes assumidas pelo Senhor Buda.
Where is home, pergunta um jovem britanico a trabalhar no Afeganistao, que se sentou a nosso lado na vinda.
Planet Earth, responde M.
Hoje sinto me abencoada por ser uma habitante do Planeta Terra, assim, andarilhando por esse mundo alem.
domingo, 5 de dezembro de 2010
De longes terras
Tem sido um tempo tao intenso que nem eu propria acredito que so passou uma semana desde o momento em que a escolha deste destino foi feita.
Bangkok, para ja, foi pouco mais que uma escala, um hotel standard e um dos pequenos almocos melhores da minha vida. Em boa hora rumamos ao Norte. Primeira paragem na antiga capital, Ayutayya, propicia a um inicio historico, enraizado. Belissimas ruinas de antigos templos budistas, justificam plenamente a escolha da cidade com patrimonio mundial da Unesco.
Eduardo Maos de Tesoura parece tambem ter passado por la, a avaliar pela quantidade de elefantes em buxo espalhados pelos jardins, que tem a sorte de nao ter que transportar turistas em cortejo, como os verdadeiros elefantes que passam ao seu lado.
A visita ao Museu Nacional, com um fantastico acervo de imagens de Buda, uma sala do tesouro bem protegida e cheia de maravilhas resgatadas nas escavacoes dos templos, algumas pecas de ceramica e livros de adivinhos, cobertos de desenhos, valeu francamente a pena.
Ao final do dia partida para o Norte, para Chiang Mei (literalmente cidade nova). Foram dez horas, sim dez horas de comboio, num comboio estilo regional, bem incomodo, numa viagem nocturna em segunda classe, num lugar normal, numa carruagem onde havia muitissimos mais locais do que turistas. Noite em branco seguida de um dia intenso, sem descanso para o corpo nem para a alma. Se somarmos a isso tudo sete horas de diferenca horaria, encontraremos razoes de sobra para que os meus olhos teimem em piscar e que comece a ansiar pela posicao do Buda deitado. Atingir o Nirvana e uma meta demasiado longinqua.
Para fechar, refira se que hoje se celebra com toda a pompa e circunstancia que se possam imaginar, o aniversario do Rei, omnipresente e, tanto quanto e possivel observar, muito amado.
Ha pouco mais de uma hora, num mercado de rua ultrapovoado, toda a gente se imobilizou e guardou silencio absoluto enquanto se ouvia o hino nacional.
Agora, a caminho da Guest House, deveremos ver mais baloes a dancar nos ceus, puxados pelo mesmo vento quente que me despenteia o cabelo.
Saudo a chegada da minha alma, nesta noite de S. Joao fora do tempo e do espaco.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
En route!
Virtualmente qualquer um dos 5 continentes podia ser um destino. A hesitação prolongou-se ao longo de duas semanas: América Latina ou Asia? Bogotá, Bali ou Banguecoque? A letra B parecia reunir todos os consensos, e, uma vez que M. vai conseguir juntar dois em um, acabamos por comprar voo para Banguecoque. Bom preço, na "QATAR" Airways, companhia aérea do nosso contentamento: eficiência (a minha mala chegou comigo!!!), horários, simpatia do pessoal de bordo ( o Romeu romeno ganhou o óscar), refeições abundantes e saborosas.
Tudo isto decidido no sábado... e já estamos no Reino de Sião há umas horas. Embarcamos em Madrid, quarta de manhã e cerca de 14 horas de voo depois aterramos na capital da Tailândia, depois de uma breve escala em Doha, capital do Qatar, em cujo aeroporto me foi dado ver o mais variado "casting de raças humanas" ( a diversidade de mulheres com quem me cruzei na a ida ao quarto de banho é absolutamente inesquecível), voamos para esta gigantesca cidade.
Duas noites mal dormidas, sete horas de jetleg, a adaptação do corpo a novas temperaturas. A alma ainda está a chegar! (To be continued...)
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Filmes a não perder
Ainda estou sob o feitiço de "Touch of Evil", "A sede do mal" (1958) realizado e interpretado pelo grande Orson Welles, filme negro e extremamente inovador, do ponto de vista formal, a cuja projecção acabo de assistir numa sessão repleta de cinéfilos.
Na semana passada foi a vez de "Moonfleet", "O Tesouro do Barba Ruiva" (1955) de Fritz Lang, considerado por João Bénard da Costa "um dos filmes mais fascinantes e mágicos da história do cinema".
Mas que não se pense que não há bom cinema em exibição em circuito comercial. Duas sugestões:
1."Ondine" dum dos meus realizadores favoritos , Neil Jordan, com um pé no fantástico (ou deverei antes dizer uma cauda de sereia no maravilhoso?), que faz justiça à beleza da Mãe-Natureza na Irlanda, que me levou finalmente a perceber melhor o título e a trama narrativa de "Silka", o meu conto favorito de Ilse Losa.
2. "Dos Homens e dos Deuses", premiado em Cannes, de Xavier Beauvois, baseado em factos reais ocorridos na Argélia nos anos noventa. Acompanhamos o dia a dia dum grupo de monges católicos que vivem num mosteiro nas montanhas até ao momento em que vão ser mortos.
Alguns paralelos se poderiam estabelecer com "O Grande Silêncio", mas diversos são os desígnios do Criador para os seus monges ...
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
O Japão no Feminino
Pescador não deixa
a baía plena de algas...
Vais abandonar este corpo flutuante
à espera das tuas mãos?
12
Este amor será
real ou um sonho apenas?
Como hei-de sabê-lo,
se a realidade e o sonho
existem sem existir?
14
Embora não haja
um só momento sequer
sem sentir saudades,
que estranho é, mesmo assim,
este entardecer de Outono.
TANKA, Séculos IX a XI, Assírio & Alvim
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Daniel Faria
O coração da mulher é alto
Mas nem só por isso a mulher oscila
Ela é como o navio mercante
Que chega carregado de grão
A mulher é o tear dentro da vida
Nem só por isso a mulher é mais que a vida
Ela é como o navio mercante
Que chega carregado de grão
Daniel FARIA, Homens que são como lugares mal situados,
Fundação Manuel Leão
Ontem à tarde, no Auditório 1 da Unversidade Católica, ao ouvir a magnífica comunicação sobre Daniel Faria de Carlos A. Moreira Azevedo, compreendi ainda melhor as razões que me levam a ler e reler a sua poesia.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Um navio mercante que chega carregado de grão
Daniel Faria é um dos quatro poetas objecto de análise no Seminário "A pergunta antes de morrer - A Morte na Poesia Portuguesa do séc. XX",na Universidade Católica, hoje à tarde. Logo conto mais.
Tenho o meu celeiro cheio de grãos de poesia!
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Conversas inacabadas
Outra palavra-chave não nomeada e nunca suficientemente exaltada é "Amigos", a chave das chaves. Sem eles é que a vida não faria mesmo sentido nenhum. E quando se vão, assim de repente, vidas interrompidas pela chegada prematura do Rei dos Álamos , torna-se extremamente difícil aceitar a sua partida.
Só há pouco tempo soube que o "Pai" do Teatro de Marionetas, o João Paulo Seara Cardoso se foi. Uma perda imensa, uma saudade funda.
Com o correr do tempo, as conversas inacabadas avolumam-se...
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
A Vertigem das Listas - Take two
Quando criei este blog, em Fevereiro, em Puna, na Índia do Sul, anunciava que trataria de "Viagens, Literatura, Música, Cinema, Yoga", cinco palavras chave do meu quotidiano, cinco fortes razões para gostar de estar viva e escrever Sol.
De então para cá as viagens têm sido muitas e variadas - não sei mesmo se passou algum mês sem que eu não tivesse visto "as nuvens caírem", para retomar uma expressão de uma das filhas, quando, por volta dos três anos andou pela primeira vez de avião.
A Literatura, sobretudo na vertente "Poesia", alimenta-me, torna-me militante da sua causa, procuro contaminar professores e "animadores da leitura", em oficinas e outras formações.
A Música é o meu alimento de todas as horas. Escrevo ao som de "Passages" - Ravi Shankar, Philip Glass. Na última semana assisti a vários óptimos concertos na Casa da Música - "Istambul 1710" pelo "Hespérion XXI", com direcção musical de Jordi Savall justificava por si só uma longa entrada neste blog.
O Cinema, essa "oficina de sonhos" marca presença assídua. Ontem, em Serralves, duas interessantes propostas do ciclo "O sabor do cinema."
E o Yoga, chave das chaves dos meus dias: em breve voltarei a entoar "Yogena Cittasya padena vacam..."
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
As quatro estações eram cinco
que outono se há-de ser e logo inverno
de que virá nascida a primavera.
Mais breve ou longo se renova o dia
sempre da noite em repetir-se eterno.
Só o homem morre de não ser quem era.
Jorge de Sena, Exorcismos
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
As ilhas verdes de um arquipélago solar
2 poemas para partilhar:
Descobrir o segredo
Menina
de circo
dos sonhos
da infância
sapatos
de seda
saínha
de tule
me sinto
correndo
pelo arame
que liga
a morte
à vida
Fazer da dor subterrânea
Fazer da dor
subterrânea
uma flor
desperta
Fazer do choro
represo
uma ave
liberta
Ah! poder
lançar
no ar
este negro
fogo
preso
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Sem abrigo para tanto querer
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Termos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
A verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros
Daniel Faria (1971-1999)
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
A vertigem das listas
Poderia escrever sobre uma das mais belas colecções de instrumentos musicais do mundo, que visitei duas vezes no Raja Dinkar Kelkar Museum, aqui há uns meses, em Poona, na Índia do Sul...
Poderia escrever sobre o insólito "Orgão de Marés" ou sobre a surpreendente "Saudação ao Sol", que nada tem a ver com Yoga, de Zadar, que segundo Alfred Hitchcock tem o mais belo pôr do sol do mundo.
Poderia escrever sobre Plitvicka Jezera -The Plitvice Lakes National Park, também na Croácia, um dos sítios mais próximos do paraíso terrestre onde me foi dado estar, há pouco tempo atrás.
Mas não agora.
Fico-me por uma dica cinéfila: "Tamara Drewe", o último filme do realizador britânico Stephen Frears, que conta outros belos filmes na sua longa lista, como "Ligações Perigosas" e "A Rainha".
Basta atravessar a ponte, e ir até à fábrica de sonhos instalada do outro lado do rio.
domingo, 3 de outubro de 2010
Memória de outro rio
Pouco a pouco despeço-me de Setembro, essa canção. Eis a casa, pedra a pedra é da linhagem da tristeza, as suas luzes brancas. Chama-se casa, mas certamente não é o nome exacto - tu que sabes, bem podias dizer barco.
Respirando à beira do caminho.
Eugénio de Andrade, Memória de Outro Rio, Limiar
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Versões do mundo
escolhe o relento
a noite tem a brancura do alabastro
ou mais extraordinária ainda
Ao que vem depois de ti
cede o instante
sem pronunciar seu nome
José Tolentino Mendonça,
O Viajante sem sono, Assírio & Alvim
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Personagem à Janela
Projecção de "Ruínas" no dia em que o governo aprovou cortes nos nossos salários e a subida do Iva para 23%... pura coincidência?!
Não vou ocupar-me disso agora. Prefiro nomear outras "personagens", na tela e nos palcos da Casa da Música que têm abençoado longas horas dos meus dias.
Têm sido um tempo de muito boa colheita cinéfila: M. de Fritz Lang (1931) (pena que a cópia cedida pela Cinemateca ao Cine Clube estivesse em tão mau estado) e o brilhante, inteligente e divertidíssimo "Philadelphia Story" (Casamento Escandaloso) de Georges Cukor (1940). Puro prazer!
Na Sala Suggia, inundada de luz outonal, domingo ao meio dia ouvi o Coro da Casa da Música interpretar "Chansons Françaises", com uma pungente "extensão" peninsular à Suite De Lorca de Einojuhani Rauitavaara (parece o nome do vulcão islandês...). Terça ao fim da tarde, envolvida pelas cores quentes da Sala 2, deliciei-me com a perícia e a alegria dos quatro jovens músicos russos do"Messianaen Quartet".
Venham mais personagens à janela!
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Ruggles of Red Gap
Em boa hora, a Medeia Filmes resolveu programar, para as "terças-feiras clássicas", no Teatro do Campo Alegre, no Porto, um dos dez filmes favoritos de João Bénard da Costa - O Extravagante Sr Ruggles. Acabo de assistir à sua projecção, nessa sala estúdio, repleta de cinéfilos satisfeitos. Como não encontrei, à primeira, nenhum dos 2 livros de crónicas do "Sr Cinema", aqui deixo a sinopse da Cinemateca.
RUGGLES OF RED GAP
O Extravagante Sr. Ruggles, ou O Último Escravo
de Leo McCarey
com Charles Laughton, CHARLES RUGGLES, Mary Boland, ZaSu Pitts, Roland Young
Estados Unidos, 1935 - 91 min / legendado em português
Obra-prima de Leo McCarey e uma das mais carismáticas interpretações de Charles Laughton, no papel de um típico mordomo britânico, “ganho” ao poker por um novo-rico americano que vem “descobrir” a Europa. Levado para o Oeste, Mr. Ruggles vai conquistar a liberdade, igualdade e o respeito de todos, numa das mais inventivas comédias americanas dos anos 30.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
"Pra quem mora lá, o céu é lá"
Meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.
Maria do Rosário Pedreira
domingo, 19 de setembro de 2010
Sul - Norte
Deixarei que o teu nome se perca repetido
Mas espera-me;
Pois por mais longos que sejam os caminhos eu regresso...
Sophia de Mello Breyner Andresen
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Ervas do estio
Esta semana todos os caminho vão dar a Beja, às Palavras Andarilhas. Todas as minhas energias, nestes últimos tempos, têm sido canalizadas na preparação das minhas intervenções.
E como de "Palavras de Água e Vento" se trata, passo a palavra a Matsuo Bashô:
Não esqueças nunca
o gosto solitário
do orvalho
O velho tanque
Uma rã mergulha
dentro de si
As cigarras cantam
sem saberem que é a morte
que as escuta
sábado, 28 de agosto de 2010
Eu nada seria...
Se falasse as línguas dos homens e até as dos anjos, mas não tivesse amor
seria bronze que soa ou címbalo que tine.
Se tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e todos os saberes,
se a minha fé fosse a ponto de mover montanhas,
mas não tivesse amor, eu nada seria.
Se repartisse pelos homens tudo quanto tenho, e meu corpo entregasse às labaredas
mas não tivesse amor, nada ganharia.
O amor paciente, repleto de bondade,
o amor que desconhece inveja e não ostenta orgulho,
o amor sem vaidade, que descura o próprio interesse, e não se irrita e não suspeita mal,
o amor que não colhe alegria da injustiça, mas se alegra com a verdade,
tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais acabará:
há um tempo em que vacilam as profecias, as línguas emudecem e o saber desaparece
porque só em parte conhecemos e só em parte profetizamos,
mas quando chega a perfeição
os limites apagam-se.
Quando eu era criança, falava como criança,
sentia como criança, pensava como criança:
quando me tornei homem
abandonei as coisas de criança.
Agora vemos por um espelho, e de maneira obscura, o que depois veremos face a face.
Agora conheço apenas uma parte, mas então conhecerei
conforme também sou conhecido.
Agora permanecem fé, esperança, amor, todos juntos.
Mas o maior de todos é o amor.
SÃO PAULO ( séc.I)
Trad.: José Tolentino Mendonça
Rosa do Mundo, Assírio e Alvim
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Vá para fora cá dentro!
A máquina fotográfica, que uso mais como bloco de apontamentos, guarda imagens de Angra do Heroísmo, de Algar do Carvão, de Vilarinho das Furnas, da Calcedónia, de S. Pedro do Sul (antes dos calamitosos incêndios!!!), da Serra da Estrela, das magníficas praias da Costa Alentejana, da Costa Vicentina, da Costa Algarvia...
Se é verdade que a vida não tem outro sentido a não ser o que lhe é dado pelos seres que amamos, também é verdade que a descoberta e a revisitação de belos lugares lhe acrescentam outros sentidos.
Não me canso de ter asas nos "pés(gasos)".
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Itinerantes itinerários
Gaston Bachelard imaginava o paraíso como uma imensa Biblioteca. Eu imagino-o como um lugar imenso e inesgotável onde haverá sempre novos mapas a assinalar novos caminhos.
Não foram os incêndios, este seria um magnífico Verão!
domingo, 18 de julho de 2010
O Tesouro Verde das Palavras
Há uns anos atrás, tendo sido convidada a apresentar uma comunicação num Colóquio de Literatura Infanto-Juvenil que lhe foi dedicado, surgiu-me a expressão síntese: Matilde-Mulher-Múltipla.
Sobre Matilde Rosa Araújo, escritora consagrada, detentora de prémios prestigiados, como o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças, que lhe foi atribuído em 1980, “espécie de Mãe” da Literatura Infantil e Juvenil, dos seus livros de poesia singulares – O Livro da Tila, O Cantar da Tila, A Guitarra da Boneca, Mistérios, As Fadas Verdes, da prosa poética de O Sol e o Menino dos Pés Frios e de O Palhaço Verde, já muito se disse. O seu papel de educadora empenhada, de cidadã activa e interveniente, paladina da defesa dos direitos da criança, ligada à fundação do Comité Português da Unicef e do Instituto de Apoio à Criança, foi sublinhado por um coro de vozes que se ergueu há poucos dias atrás, quando nos deixou, no dia 6 deste mês de Julho, depois de ter habitado o planeta Terra durante 89 anos.
Com o desaparecimento de Matilde perdi uma figura materna que me marcou, profunda e estruturalmente. Gostaria de ser capaz de dar um testemunho mais rico, mas a minha voz afoga-se.
Para me sossegar, leio uma das suas canções de embalar e digo-me, que de algum modo, há pessoas que ficam vivas para sempre. Enquanto eu viver guardarei em mim a memória viva do seu afecto, do seu humor, do seu sorriso doce, da sua voz grave, do seu olhar profundo.
E as suas palavras, as que nos deixou nos seus livros, far-me-ão companhia. Para sempre.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Viva o Cinema!
Vem isto a propósito da projecção de "L'Atalante"(1934), filme de Jean Vigo (1905-1934) a que acabo de assistir na sala estúdio do Teatro do Campo Alegre, último reduto da cinefilia na cidade do Porto.
Era um dos filmes favoritos de Henrique Alves Costa, cinéfilo notável, que teria feito 100 anos no passado sábado, fundador do Cine-Clube do Porto, e que por isso foi escolhido para a homenagem que lhe foi prestada na sua cidade. Antes da projecção Henrique Alves Costa foi recordado nas palavras emocionadas de Manoel de Oliveira, de André Oliveira e do seu filho Alexandre Alves Costa.
Sala mais que esgotada, demasiado pequena para conter amigos e conhecidos, que ao longo dos anos têm povoado a minha vida nesta cidade. Filme belíssimo, profundamente poético, que revi com um prazer imenso.
Além de ter conhecido pessoalmente Henrique Alves Costa, vi claramente visto Michel Simon, o inesquecível marinheiro excêntrico de L' Atalante, há muitos anos atrás, na Praça de São Marcos em Veneza...
sábado, 3 de julho de 2010
Os dias que hão-de vir
As coisas melhores são feitas no ar,
andar nas nuvens, devanear,
voar, sonhar, falar no ar,
fazer castelos no ar e ir para lá morar,
ou então estar em qualquer sítio só a estar,
a respiração a respirar,
o coração a pulsar,
o sangue a sangrar,
a imaginação a imaginar,
os olhos a olhar
(embora sem ver)
e ficar muito quietinho a ser,
os tecidos a tecer,
os cabelos a crescer.
E tudo isto a saber,
que isto tudo está a acontecer!
As coisas melhores são de ar
só é preciso abrir os olhos e olhar,
basta respirar.
Manuel António PINA, O Pássaro na cabeça
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Cinema e cinéfilos
Nem salas com programação alternativa, nem cineclubes, nem cinematecas para formar públicos.
O que nos resta? "Fábricas de sonhos " ou pronto-a-vestir-para-nos-estupidificar-melhor-minha-netinha?
domingo, 27 de junho de 2010
Faz de Conta
- Eu serei a flor mais bela.
- Faz de conta que sou cardo.
- Eu serei somente orvalho.
- Faz de conta que sou potro.
- Eu serei sombra em Agosto.
- Faz de conta que sou choupo.
- Eu serei pássaro louco,
pássaro voando e voando
sobre ti vezes sem conta.
- Faz de conta. Faz de conta.
Eugénio de Andrade, Aquela Nuvem e Outras
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Bugiadas e Mouriscadas
Para assinalar, aqui fica um texto de literatura popular, presença constante das últimas semanas:
"Manhaninha de S. João - pela manhã do alvor,
Todos os criados vão - visitar o seu senhor.
Só de mim, triste coitado, - não sei quando arraia o sol,
Se não fossem três passarinhos - que me anunciam o alvor.
Primeira é a cotovia, -segundo orouxinol,
Terceira é a calhandrina , -a que se repenica melhor.
O rouxinol canta na silveira, - a cotovia no giestal, A calhandrina na serra - à sombra do queirogal."
José Leite de Vasconcelos, Romanceiro Português, Vol.I
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Siddhartha
Há momentos da vida em que a questão da passagem do tempo se torna particularmente presente-premente.
Também Tiziano Ternazi o sentiu como provam as palavras que acima transcrevi.
Sinais da humana condição?
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Coisas simples
E o mote de uma poesia popular, referida pelo meu saudoso Mestre Manuel Viegas Guerreiro:
Morre um afecto e outro nasce,
Vai-se um desejo e outro vem,
E depois de um sonho, outro sonho
E tantos que a vida tem.
Venham as glosas! Boa semana!
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Um Oásis no Momento
estou atrás do lugar que não existe
atrás do lugar que não existe há um lugar
atrás do lugar que não existe
são as veias do ar cheias de mensageiros
que trazem notícia da mais longínqua flor da terra
na face da areia estão traçadas as marcas do cavalo de um cavaleiro gracioso
que de manhã subiu ao cimo da montanha da Ascensão
atrás do lugar que não existe está aberto o leque dos desejos
tocam as campainhas de chuva para que a brisa sequiosa possa chegar ao cimo
de uma folha das campainhas de chuva que tocam
aqui o homem está só
e nesta solidão a sombra de um ulmeiro flui para a eternidade
se vieres à minha procura
vem devagar e suavemente para não quebrar a porcelana da minha solidão.
Soharâb Sepehry, A Rosa do Mundo, Assírio e Alvim
domingo, 6 de junho de 2010
Público e Privado
Serralves em Festa, pela sétimo ano consecutivo. Igual e diferente das edições anteriores. A crise também passou por aqui... Mas é sempre bom ver tantas e tão variadas gentes circular por aqueles espaços magníficos, encontrar tantos amigos e conhecidos. E foi comovente ver a "Big Band Hot Clube de Portugal" homenagear Rocha Brito pelo seu amor e labor em honra do Jazz, ao longo de muitos e muitos anos. Rocha Brito é o "Dr. Guimarães" , amigo dos meus Pais, que me me abriu as portas da sua biblioteca e me deu a conhecer alguns exemplares da sua magnífica colecção de LPs, quando eu era menina e moça.
Na Casa da Música, depois de um jantar partilhado no restaurante-lá-de-cima, um desconcertante concerto dos Solistas do Remix Ensemble, da ONP : Kraft, para solistas, orquestra electrónica (1983-1985; c.30m) de Magnus Lindberg, na Sala Suggia. Nos outros espaços, também naqueles que não estão normalmente abertos ao público, outras músicas e outros músicos "fora de horas".
sábado, 5 de junho de 2010
Passagem das Horas
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei.
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tão tanto, é pouco para o que eu quero."
Apaixonei-me pela poesia de Álvaro de Campos na adolescência. E há poemas, ou fragmentos de poemas, que continuam, até hoje, a ter imenso sentido e a dizer-me como jamais saberei fazê-lo.
terça-feira, 1 de junho de 2010
"Magazine Cultural"
Das idas aos espectáculos do 33º FITEI - "Hnuy Illa", "Querida Professora Helena Serguéiévna", e "In Vino Veritas", destaco pela excelência e pelo lado poético, o 1º referido, dos bascos Kukai-Tanttaka.
Das idas ao cinema o surpreendente "Eu sou o Amor", do realizador italiano Luca Guadaguino, com Tilda Swinton, pela beleza, pela herança de uma certa linha "viscontiano- bertolucciana".
Da ida ao 103º Quintas de Leitura - "Casas Kitadas", a participação do colectivo "O Copo", que defendeu criativa e convictamente a poesia de Alexandre O'Neill.
Dos Congressos "Música no Divã", na Casa da Música. Das intervenções de sexta 28, as únicas a que pude assistir por coincidência de agenda, a de Jaime Milheiro pela sistematização e pelos "momentos musicais". Gosto igualmente de "música sem palavras" e de "música com palavras".
Para ilustrar a "música sem palavras" escolheu o "Purgatório", que Gustav Mahler terá composto depois de uma longa conversa com Freud. "A música com palavras" fez-se ouvir nas vozes poderosas de Ella Fitzgerald e de Aretta Frank. Curioso referir que Freud, que tanto apreciava a escultura, a pintura e a literatura não gostava de música, uma vez que lhe acordava emoções que não controlava. Jaime Milheiro considerou a música como "o regresso a casa, à casa da música que é a da voz da mãe, uma das mais caudalosas do universo".
Como continuo a não possuir o dom da ubiquidade,além de não ter podido continuar a ouvir as conferências de sábado, desta feita, o "Imaginarius", em Vila da Feira, ficou de fora...
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Do Corpo e da Alma
Deram-me um corpo, só um!
Para suportar calado
Tantas almas desunidas
Que esbarram umas nas outras,
De tantas idades diversas;
Uma nasceu muito antes
De eu aparecer no mundo,
Outra nasceu com este corpo,
Outra está nascendo agora,
Há outras, nem sei direito,
São minhas filhas naturais,
Deliram dentro de mim.
Querem mudar de lugar,
Cada uma quer uma coisa,
Nunca mais tenho sossego.
Ó Deus, se existis, juntai
Minhas almas desencontradas.
Murilo MENDES, O Poeta Experimental, Summus Editora
terça-feira, 25 de maio de 2010
Alkantara Festival
Bruno Beltrão, coreógrafo conceituado e premiado, não se limita a "trazer a rua para o palco." Desconheço se é cinéfilo, se se deixou influenciar pelo "West Side Story" de Robert Wise, que evoquei durante o espectáculo. O despojamento negro do palco, os jogos de luz e sombra, a utilização dos sons e da música, contribuem para a criação de um ambiente suburbano potencialmente gerador de conflitos.
Na página 17 da publicação que acompanha o festival, curiosamente ilustrada com uma série de imagens de página inteira do Museo Civico di Storia Naturale de Milão, realizada por Luciana Fina e Moritz Elbert, pode ler-se:
"Nove jovens organizados em solos, duos e trios. O palco despido, vazio. O fluxo contínuo de corpos. A coreografia minimal e uma tensão quase insuportável. (...) Beltrão continua a desenvolver o seu próprio vocabulário, no desafio entre a coreografia contemporânea e as várias formas de street dance (principlamente o hip-hop, mas não só), onde os clichés de ambos os géneros são questionados."
Imagino Holden Caulfied, protagonista livro de J.D. Salinger The Catcher in the Rye, deliciado com estas danças e estas imagens...
domingo, 23 de maio de 2010
I ask not out of sorrow, but in wonder
I said so little.
Days were short.
Short days.
Short nights.
Short years.
I said so little.
I couldn´t keep up.
My heart grew weary
From joy,
Despair,
Ardour,
Hope.
The jaws of Leviathan
Were closing upon me.
Naked, I lay on the shores
Of desert islands.
The white wale of the world
Hauled me down to its pit.
And now I don't know
What in all that was real.
Este foi o segundo dos 3 poemas do escritor polaco Czeslaw Milosz (1911-2004), para quatro vozes solistas e coro, com música de Peteris Vasks, magistralmente interpretado pelo Coro da Casa da Música, no concerto das 12:oo.
Se mais não houvesse neste domingo, estes breves minutos de vozes sussurradas, gritadas, apaixonadas, teriam por si só iluminado intensamente, o meu dia.
sábado, 22 de maio de 2010
Homenagem ao Sol
"O Sol nosso de cada dia nos dai hoje..."
A sabedoria popular afirma: "Não há sábado sem Sol, Domingo sem missa e Segunda-feira sem preguiça." Será?
Sábado com Sol, banho de mar e mimo dos Amigos... gracias à la Vida!
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Atopia
À falta de um dicionário pessoal, transcrevo algumas palavras do "Diccionario del malestar de la Cultura", do folheto da exposição "ATOPIA - Arte y ciudad en el siglo XXI, patente no CCCB, em Barcelona:
A - amnésia; B - beleza; C- crise; D- deus; E- emoção; F- ficção; G- globalização; H- história; I- internet; J-juventude; K- kassel; L- lugar; M- medo; N- natural; O- ortodoxia; P- poder; Q- quiosque; R- resistência; S- singular; T- turismo; U-utopia; V- verdade; W-web; Y- yo; Z- zapping.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Vision Quest
bem pertinho do céu,
havia um castelinho
onde o Rei viveu.
De lá se via o Sol,
se via o céu, se via o mar,
no alto da montanha,
quem dera lá morar!"
Estas palavras de uma cançao que costumava cantar às minhas filhas, quando eram pequeninas, ganharam novos sentidos e novas memórias. Voltei a cantá-la, por estes dias, duas vezes, numa "Montanha Mágica", na Alta Garrotxa: no terceiro dia da "Busqueda de Vision" (Vision Quest) da filha mais velha. e a duas vozes ( a dela e a minha) na cerimónia final, junto de todas as pessoas envolvidas, num momento de funda emoçao.
Há tantos mundos no mundo! E, se houve dias na minha vida em que os "Sussurros do Divino" se fizeram ouvir, foram estes últimos.
Gracias a la Vida!...
sábado, 1 de maio de 2010
Sussurros do divino
Nos momentos de maior melancolia, é no "colo" da Mae Terra que me acolho, que consigo encontrar (sempre) novos motivos de encantamento. E a Primavera é gloriosa!
Como o rumor do mar dentro de um búzio
O divino sussura no universo
Algo emerge; primordial projecto.
Sophia de Mello Breyner Andresen
terça-feira, 27 de abril de 2010
Cinefilia (s)
À minha amiga I.S., que preferia ver os DVDs, na bela sala lá de casa, costumava eu dar "dicas" acerca dos filmes "a não perder".
Tinha como filme favorito o mítico "L'Année Dernière à Marienbad", realizado por Alain Resnais em 1961, com argumento de A. Robbe-Grillet, com a belíssima Delphine Seyrig, vestida por Coco Chanel. Em tempos contei-lhe a minha emoção ao ver e ouvir ao vivo a encantatória voz desta actriz, num dos Festivais de Cinema da Figueira da Foz.
Claro que também gostava muito de "Hiroshima, Mon Amour" (1959), baseado no livro homónimo de M. Duras.
Desconfio que dificilmente lhe incluíria na lista o mais recente filme do mestre A. Resnais "Les Herbes Folles" ("As Ervas Daninhas"). Mais depressa lhe recomendaria "Parlez-moi de la pluie" ("Deixa chover") realizado e interpretado por Agnès Jaoiu, que em parceria com o marido escreveu o argumento de 2 filmes de A. Resnais "Smoking/Non Smoking" e "On connaît la Chanson".
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Dor sem nome
" A amizade não é uma dádiva, é uma espécie de tesouro escondido que só se alcança depois de ter vencido longamente caminhos e tempestades, e passado portas e enfrentado monstros e dragões, e voltado muitas vezes atrás e recomeçado de novo a partir da solidão e do exílio.
Por isso, a perda de um amigo é de facto (não apenas metaforicamente ou simbolicamente), a perda de uma parte de nós. Porque somos feitos da confusa e inconstante matéria da memória, da nossa própria e da memória dos outros (a nossa memória dos outros e a memória dos outros em nós) e cada um de nós pode também dizer de si: "Eu era um tesouro escondido, e precisei de ser revelado..."
Daí, quando um amigo morre, a impressão de desamparo, de que tudo perdeu de repente peso e dimensão, de que o Mundo se tornou um lugar desconhecido onde temos que, de novo, aprender penosamente a viver. Porque a morte de um amigo nunca é coisa esperada, é algo que desde o mais fundo de nós somos incapazes, por mais que as circunstâncias nos forcem a admiti-lo de conceber. (...) E, de cada vez , nunca é dos amigos que me despeço, é sempre de mim mesmo."
Hoje peço emprestadas ao meu amigo Manuel António Pina as palavras que escreveu, na sua crónica do Jornal de Noícias em 4 de Janeiro de 2006, na morte de Cáceres Monteiro.
As minhas palavras (ainda) estão afogadas com a perda da Ilda S., Amiga tão querida e tão próxima, ao longo de quase quatro décadas. Dor sem nome...
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Dia Mundial da Terra
Que a nossa mãe terra se envolva
numa quádrupla túnica de farinha branca,
que se encha de flores de geada;
e além, em todas as montanhas cobertas de musgo,
de frio se acheguem os bosques uns aos outros;
e os braços das árvores se quebrem ao peso da neve,
e fique assim a terra:
- Esculpi os bastões da oração em forma de seres vivos.
Versão: Herberto Helder
América do Norte, Zunhis
in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio e Alvim
segunda-feira, 19 de abril de 2010
O vulcão do nosso descontentamento
Dá vontade de citar uma passagem das Geórgicas (II,157) de Virgílio, sobre a impossibilidade de enumerar todas as castas de uvas e de vinhos:
"As espécies e os nomes não têm fim, nem é útil enumerá-los um por um; quem saber o quisesse, poderia indagar quantos graus de areia Zéfiro levanta no deserto líbio... ou quantas ondas vão rebentar nas margens do Jónico."
Quantos voos cancelados, quantos passageiros por embarcar, quantos quotidianos alterados, quantas mudanças o acordar deste vulcão EYJAFJALLOJOKULL, com trema e nome impronunciável vai provocar nas nossas vidas? Talvez Umberto Eco as possa enumerar numa nova edição de "A Vertigem das Listas".
Pertenço ao número dos "happy few" cujo avião descolou poucos minutos antes do aeroporto de partida, no meu caso Orly, ter sido encerrado...
segunda-feira, 12 de abril de 2010
"Sundays and Cybelle"
Publicitado como"Mythique", "Inédit depuis plus de trente ans", classificado como comédia dramática, a preto e branco, conta a história da comovente relação que se estabelece entre um antigo piloto de guerra amnésico, solitário e sensível, Pierre, e de uma menina também solitária e sensível, precocemente madura, abandonada pelo pai num orfanato. Talvez a sua cara lhe evoque a de uma outra criança, que talvez tenha morto durante um bombardeamento na Indochina.
Trata-se de um filme belíssimo, de atmosfera onírica e melancólica.
O único nome que reconheci no genérico, projectado em silêncio, perante uma plateia rendida, no "Le Champô", no Quartier Latin, foi o do compositor Maurice Jarre.
Gosto das cidades que têm sempre filmes clássicos em exibição, não só na Cinemateca mas também em pequenas salas estúdio...
Quem me dera que isso viesse a acontecer em Portugal também!
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Gozo's appeal
truly be called
pomskizillious and
gromphibberous, being
as no words can describe
its magnificence."
Edward LEAR
Letter to Lady Waldegrave (1866)
Fewer and smaller roads, less sense of congestion and a calmer atmosphere and superb swimming and diving combine to produce a place of escape and relaxation.
Gozo... 14 km por 7km, um terço da superfície de Malta et pourtant!...
Glorious Gozo!!Um concentrado de cultura e história!
Ggantija, mas também a Cidadela, em Victoria (Rabat "a cidade" até 1897, quando o governador britânico lhe mudou o nome).
Tanto o Archaelogical Museum como o Folklore Museum valem bem uma visita demorada.
Nadar e mergulhar fica para a próxima...
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Gozosightseeing
A Calypso Cave, que ontem fotografei em "plongé", estaria por certo ao abrigo das intromissões de Eolo, ou Ulisses teria enlouquecido.
Ulisses também terá visitado os Ggantija Temples? Em caso afirmativo, e uma vez que à epóca não seriam apenas ruínas, como se terá sentido, perante tal magnitude?
"Regarded to be the oldest free-standing structures in the world, he largest megalith to be found of Ggantija Temples eighs about 50 tonnes and its walls reach a height of around seven metres. Altars and the remnants of a fire-reddned circular stone-hearth, possibly for eternal flame, can still be seen."
A arqueologia, como tudo na vida, de resto, faz muito mais sentido quando se vive "por dentro".
terça-feira, 6 de abril de 2010
Era uma vez
Um gato maltês.
Tocava piano
E falava francês.
... Queres que te conte outra vez?
Era uma vez
Um gato maltês.
Tocava piano
E falava francês.
... Queres que te conte outra vez?"
Quem não se lembra deste "Conto de nunca acabar?"
Essa do gato maltês falar francês... deve ser uma qualquer variante chauvinista.
O gato maltês é multicultural e fala muitas, muitas outras línguas. É fluente em maltês com os nativos do arquipélago (língua com 70% de palavras árabes) e desenvolto em inglês, com os turistas.
Amanhã, em Gozo, tentarei descobrir em que língua Ulisses e Calipso se entendiam...
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Top Ten
O Sul da ilha de Malta, por onde me passeei hoje ao longo de todo o dia, evocou-me, vivamente, a Sicília. Papoilas, palácios, templos e ruínas, amálgama de muitas e variadas culturas e civilizações.
Os templos pré-históricos de Hagar Qim e Mnajara, com uma espectacular envolvente natural, perto do Mediterrâneo, são mais antigos que as Pirâmides do Egipto... Um deslumbramento!
Il-lejl it-tajjeb!!!
domingo, 4 de abril de 2010
O sagrado e o profano
Desta feita, no dia 2 de Abril, não celebrei o aniversário do meu bom amigo H.C .Andersen nem de nenhum outro, mais ou menos próximo. Assisti, com muitas e muitas centenas de pessoas à impressionantíssima saída de dezenas de andores "dançantes" da Igreja de Ta'Giezu, que depois iriam percorrer algumas ruas do centro. Fora eu mais expedita e ilustraria estas palavras com uma das muitas imagens que colhi na altura.
Ainda a procissão percorria as ruas, quando um "apagão" de quase três horas teve lugar provocando o maior dos descalabros...
Sirocco
A primeira vez que tal palavra ouvi foi na "Morte em Veneza" de L.Visconti. Reencontrei-a no texto de Lord Byron aqui transcrito e tenho aprendido a viver com a sua"materializada existência" ao longo dos últimos dias. Obriga-me a procurar os sítios mais abrigados, faz-me sentir sensata por transportar comigo um casaco mais quente, sopra as vestes dos andores nas procissões maltesas.
Dia de Páscoa com muito sol, muitos sinos ... e presença viva do "sirocco!"
sábado, 3 de abril de 2010
Around Malta
animal, mineral and vegetable -
a Bishop and a daughter,
pease and artichocks, works in
marble and fillagree, red mullet,
and Archadeacon, Mandarin Oranges,
Admirals and Generals, Marsala
Wine 10d a bottle -religious proces -
sions, poodles, geraniums, balls, bacon,
baboons, books and what not."
EDWARD LEAR
Letter to Lady Waldegrave (13 February 1866)
"Adieu, ye joys of
La Valette!
Adieu, sirocco, sun and
sweat!
Adieu, thou palace rarely
enter'd!
Adieu, ye mansions where
I've ventured!
Adieu, ye cursed streets of
stairs!"
LORD BYRON
Farewell to Malta (1811)
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Via Crucis
"Via Crucis - A musical meditation for Passiontide" assim se chamava o concerto que a Chamber Music Concerts deu hoje, às 12.30h em St. Catherine of Italy Church, em La Valletta, inscrito num programa de aquisição de fundos para restauro da Igreja "Restoring a Baroque Jewel".
Um pianista e uma voz feminina (soprano) interpretaram 14 peças, 14 momentos musicais, 14 estações da Via Sacra. A "Sarabande from English Suite No. 3 in G minor" de J.S. Bach, foi a música que se ouviu na 3ª, a 7ª e a 9ª: Jesus falls the first/ the second and the third time.
Poderia ter sido apenas mais um belo concerto, um dos muitos a que tenho assistido, só que, desta vez, na bela ilha de Malta.
Mas foi muito, mesmo muito, mais do que isso. Fui surpreendida e tocada pelo modo como tudo se encadeou. Cada peça musical era precedida de uma leitura breve dum texto, sobre episódios dramáticos da história da humanidade. Entre os 14 textos lidos, muito bem lidos, em inglês, contava-se um poema de Lorca sobre a Guerra Civil Espanhola e um poema de John Lennon e Yoko Ono sobre a Guerra do Vietnam.
Antes do concerto começar havia 14 velas acesas no altar, que foram sendo ritualmente sopradas no fim de cada uma das leituras.
Decididamente uma Semana Santa singular, esta que me está a ser dado viver...
quarta-feira, 31 de março de 2010
Põe a cassete da tempestade
Mas o título cola na perfeição ao "teatro de rua" que acabo de presenciar nas ruas do centro de La Valletta, na ilha de Malta. Tratava-se de uma representação do drama da Paixão de Cristo - "GABATTA". Muitos e muitos figurantes. Jesus Cristo, soldados romanos, judeus, madalenas, verónicas, todos trajados a rigor, reviviam perante os olhos e, sobretudo as câmaras digitais, de uma multidão atenta e paciente o caminho que levou à cruxificação.
Hollywood? Bollywood? O poder dos media tudo infiltra. No momento em que "Jesus Cristo" é erguido na cruz, a banda de música pára de tocar, e, tonitruante, dumas colunas gigantescas, emerge a banda sonora de uma acesa tempestade!
sábado, 27 de março de 2010
Do lado esquerdo do peito
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.
Eugénio de ANDRADE, Coração do Dia
O Dia Certo
"Só existem dois dias no ano
em que nada pode ser feito.
Um chama-se ontem
e
o outro amanhã,
portanto
hoje é o dia certo
para amar, acreditar, fazer
e principalmente viver."
Dalai Lama
quinta-feira, 25 de março de 2010
Hicthcock em Puna
Ganesh na Amazónia. Ulisses em Copacabana. Hicthcock em Puna.
O Flautista de Hamelin
Ao longo de quase uma hora fiquei prisioneira da sua leitura do "Sermão de Quarta-feira de Cinzas", do Padre António Vieira.
Uma das violas de gamba tocadas por Jordi Savall no CD "Les Voix Humaines: Abel, Bach, Marais, Sainte-Colombe", que ouço enquanto escrevo, também vem do séc.XVII.
quarta-feira, 24 de março de 2010
+ 4'33'' - Tributo a John Cage
Sobre a componente imagem, passo a palavra a Rui Horta:
"Como não aceitar o desafio da C.M. para encenar este concerto de duas das obras mais emblemáticas ( e provocadoras) de John Cage?(...) Confrontado com a necessidade de "deixar" o Remix Ensemble relativamente tranquilo para a interpretação, decidi criar toda uma envolvente visual para o espectáculo que seguisse a mesma (i)lógica aleatória, fazendo as imagens dançar nas telas e a imaginação dançar nas nossas cabeças..."
Ilustrarte
Quem quiser saber qual foi escolha dos membros do júri, e deleitar-se com o resultado, vá ao Museu da Electricidade, em Lisboa, até ao próximo dia 4 de Abril.
Em terreno novo, está plantada a ILUSTRARTE 2009 - 150 ilustrações originais "onde sobressai a grande diversidade de técnicas e linguagens estéticas" de 50 artistas, de 14 países.
Gostei particularmente da representação iraniana.
A exposição retrospectiva de Wolf Erlbruch, ilustrador alemão que integrou o júri, é absolutamente singular.
Pode também ser vista uma exposição documental, a propósito da publicação do centésimo livro de Luísa Ducla Soares.
Vale mesmo, mesmo, a pena! Muitos parabéns aos meus Amigos Eduardo Filipe e Ju Godinho!
segunda-feira, 22 de março de 2010
sábado, 20 de março de 2010
Serra de Sintra
Entre as múltiplas maneiras de saudar o equinócio da Primavera, calhou-me a melhor que poderia imaginar. Uma caminhada nocturna e mágica, na serra de Sintra, por entre as árvores, as sombras, o nevoeiro, os seres invisíveis, acarinhada pela Mãe-Natureza.
Lucky me (Mi)!
quinta-feira, 18 de março de 2010
À Luz da Sombra
Tudo está ligado a tudo. Por alguma razão as imagens projectadas durante o referido concerto Motion do Bernardo Sassetti Trio, evocaram em mim a magnífica exposição, neste momento patente na Fundação de Serralves, de Lourdes Castro e Manuel Zimbro "À Luz da Sombra".
"O que me atrai: a sombra não ocupar espaço e guardar a sua presença mesmo desligada do corpo que a projectou."
Lourdes Castro
Em várias línguas índias da América do Sul a mesma palavra significa sombra, alma e imagem.
Midori, Bernardo Sassetti e a Música
Nos últimos tempos passam muito pela música e pela Casa da Música, onde me tem sido dado viver momentos únicos. Como Midori, a espantosa e generosa violinista Midori (Casa da Música, 12 de março de 2010), acredito sinceramente que "todas as pessoas devem ter acesso a uma grande variedade de boa música independentemente da sua idade, raça, classe social, local onde vivem ou meios financeiros que possuem".
Para que serve a música? O que significa? De onde vem o prazer de quem a a compõe, de quem a interpreta, de quem a ouve? De onde vem a energia de quem a a compõe, de quem a interpreta, de quem a ouve?
Como Bernardo Sassetti, que tanto prazer me deu ouvir anteontem (Bernardo Sassetti Trio, -Motion, Casa da Música, 16 de Março de 2010), pergunto se será necessário fazermo-nos tantas perguntas...
A Música é, sem margem para dúvidas, um dos mais poderosos esteios dos meus dias.
Índia, encore et toujours!
a juta - nem o urânio que me trouxeram aqui
Trago os porões da alma vazios
À música das calculadoras prefiro a de um sitar
as linhas delicadas de um sari branco
Portador apenas de uma mensagem do Douro para o Ganges
de um colar de açafrão para colocar no pescoço de Shiva
e de uma missão deveras importante
- descobrir
a flor de lótus perdida algures no meu sangue"
Jorge Sousa BRAGA, Boca do Inferno
sexta-feira, 12 de março de 2010
Palavras Alheias
Paul Valéry
"Pour avoir découvert le monde à travers le langage, je pris longtemps le langage pour le monde."
Jean Paul Sartre
"Sauf qui veut,
À chaque jour suffit sa joie".
Robert Desnos
quarta-feira, 10 de março de 2010
Rei dos Álamos
Um dia, virá por nós. Apesar de todos os exorcismos, repetidos desde a infância.
"À morte ninguém escapa
Nem o Rei, nem o Papa.
Mas escapo eu!
Compro uma panela,
Meto-me dentro dela
E a morte passa e diz:
- Aqui não há ninguém!
Boa noite, meus senhores,
Passem muito bem!"
Saudades da Índia
"I'm in love with this country. I find heat and smells and oils and spices, and puffs of temple incense, and sweat and darkness, and dirt and cruelty, and above all, things wonderful and fascinating innumerable."
segunda-feira, 8 de março de 2010
Dia Internacional da Mulher, Take Two
Concha perfumada
Pórtico real
Princesa das flores
Porta misteriosa
Coração de peónia
Pegada de gazela
Pórtico de jade
Delta negro
Pote de mel
Botão de lótus
Gruta de canela
Porta alada
Flor da Lua
Rogai por nós
Jorge Sousa BRAGA
A Ferida Aberta, Assírio & Alvim
Dia Internacional da Mulher
A realizadora Kathryn Bigelow é a grande vencedora da Noite dos Óscares, a cuja transmissão directa pela televisão assisti até às cinco da manhã. O Cinema, fábrica de sonhos ("usine à rêves", lhe chamou o grande Henri Langlois), alimenta a minha alma.
Joan Baez cantou e encantou esta noite, na Casa da Música, no Porto: "A Evening With Joan Baez". Emocionei-me num dos lugares da Sala Suggia...
sábado, 6 de março de 2010
Canção com lágrimas
anunciam a manhã e a realidade."
Abu Nuvas
quarta-feira, 3 de março de 2010
O perfeito viajante
Lao Tse
Muito tenho ainda que aprender até ser esse "perfeito viajante". Porventura numa próxima reencarnação. Tenho estado em trânsito, nos múltiplos sentidos que a expressão engloba. Falo de latitudes e longitudes, geográficas e internas.
Goa foi uma experiência interessante e intensa, quase sem planificação prévia. E vi a dança dos golfinhos, numa manhã azulíssima, na Baía da Aguada.
"O morro da Aguada encimado por um bojudo reduto, como guarda avançada na foz do Mandovi, espalha em noites procelosas a luz que encaminha o nauta par as terras de Goa. Por baixo, à flor da água, correm as casa volteando a curva no promontório de Bardês, e defendidas do mar pelas colinas quase simétricas, brancas e uniformes, como a dentadura de um leão. Estamos à boca do Mandovi sereno e brando."
Frederico Diniz D'Ayala
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Músicas do/no Mundo
A temperatura tem vindo a aumentar, um pouco todos os dias, e, hoje, está um calor de
"assar ananases", como diria o nosso Eça. Valem-me as paredes grossas da casa, as duas ventoinhas do tecto da sala, a vista refrescante do verde do jardim.
Auscultadores nos ouvidos, escrevo ao som da Indian Queen, de Henry Purcell .
Continuando a citar o Eça "quem não admirará os progressos deste século?" Pena que, entre eles ainda não se conte o dom da ubiquidade, que me permitiria assistir hoje ao concerto da Maria João Pires, na Casa da Música, no Porto (que à força de tanto frequentar sinto como "minha casa" também).
Ouvi, um dia, Frederico Lourenço, o sábio tradutor da Odisseia e da Ilíada, dizer (cito de memória), que "a música ajuda a colar os pedaços da alma".
Todos os dias sinto que, sem essa "cola", os meus dias seriam bem mais pobres!
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Adenda
Onde se lê " material necessário há prática" deverá ler-se (obviamente!) ""material necessário à prática".
Até parece que não frequentei as minhas aulas e que não utilizei os meus manuais de Português.
Foi uma gralha, da família dos muitos corvos que povoam estes indianos céus, que voou do teclado!
Kare Ayurvedic Retreat
Quando, há uns dias atrás (ou deverei dizer há umas linhas atrás) tentei descrever o sítio onde tenho tido aulas de iyengar yoga não referi a "banda sonora". Ora acontece que é sempre igual, mesmo na aula das quartas, que é às sete horas da manhã: um coro de buzinas, um bruáaa citadino que dificulta o entendimento das indicações dos professores, dadas num "inglês da índia", já de si complicado de seguir. Ou seja, não se trata da "banda sonora" habitualmente conotada com "yoga".
Fui passar uns dias ao "Kare Ayurvedic Retreat", com vistas magníficas sobre o Mulshi Lake, geograficamente não muito distante de Puna. E, entre as boas surpresas que me estavam reservadas, conta-se a sala de yoga mais bonita onde me foi dado praticar na vida. Ampla, pé direito alto, chão de madeira encerado, janelas rasgadas de alto a baixo, vistas sobre o céu azul, as montanhas e o lago, muitíssimo bem equipada, como todo o material necessário há prática, cuidadíssimo, em super bom estado.
Na aula das sete da manhã só o canto dos pássaros cortava o silêncio...
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Incenso-incêndio
Tarde de domingo quente, casa agradavelmente fresca, música óptima nos auscultadores, escrita a fluir. Nunca mais me lembrei dos paus de incenso que tinha deixado dentro do armário-anexo do meu quarto para espantar um persistente cheiro a mofo.
Faltava-me um endereço apontado na agenda, razão pela qual me levantei e fui ao quarto.
Fumo por todo o lado. Dois colchões enrolados e arrumados no dito cujo armário-anexo tinham começado a arder.
Felizmente não eram de palha, como a casa do porquinho mais novo.
UF!
Blast rips Pune German Bakery
Estas e muitas outras questões me assaltam, de há umas horas a esta parte.
Ontem, sábado, depois da aula de yoga, ofereci-me uma tarde de exploração da cidade. Passeei em sítios de Puna onde ainda nunca tinha estado antes.
Entre as 14h e as 15h estive na German Bakery, em Koreagon Park onde almocei uma fatia de "pizza"(55rp), um applestrudell (35rp) e bebi um lassie salgado (20rp). Comprei um pão de alho (35rp), delicioso de resto, que torrámos à hora de jantar. Passei os olhos no exemplar do "Pune Guide", emprestado pela Joana que tinha levado comigo, folheei um exemplar do "Times of India", aprecei as pashminas na lojinha lá do fundo.
A German Bakery estava cheia de ocidentais , ouvia-se falar inglês e alemão. Lembro-me de ter pensado que estava num daqueles sítios "atípicos" que tanto podia ser em San Francisco, Califórnia, como em Albufeira, no Algarve. Da India mesmo, só os empregados e a presença de algumas pessoas envoltas numa espécie de "Kafetans"bordeau, compridos e largos, usados por homens e mulheres que denotavam a presença do vizinho Ashram do Osho.
Saí e caminhei durante mais de uma hora pela zona de Koreagon Park, deliciei os sentidos nos jardins Bund Garden.
Poucas horas depois já em casa, em Decan, o zapping televisivo noticiava o atentado às 19.30.
Oito ou nove mortos, entre os quais estrangeiros, cerca de quarenta feridos.
A nossa perplexidade foi imensa. Também a minha companheira de viagem, a Leonor, tinha almoçado na German Bakery com uma amiga .
E a jovem indiana de cerca de vinte anos, que mora no anexo do jardim, neta da Sheela empregada/espírito tutelar desta casa,tinha estado por lá até ao fim da tarde, uma vez que trabalha naquela zona.
O acaso existe? A quem pertence o nosso destino? Será a morte um jogo de cabra-cega?
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Puna Diary
menos poéticos pela certa, mas com rapidez acrescida. Estou certa que o
Italo Calvino os incluiria numa das suas não-existentes"Seis lições
para este Milénio".
De momento, tiro partido da riquíssima realidade em que estou inserida.
Por aqui, pela India do Sul, em Puna, os dias correm bem a meu gosto. Alguma
serenidade nos continentes interiores, sempre tão difícil de conseguir.
Todos os dias, excepto ao domingo, os meus dias começam com aulas de
Iyengar yoga, bem cedinho pela manhã, aqui na fonte, do outro lado da
rua, no RIMYI ( RAMANI IYENGAR MEMORIAL INSTITUTE), exigentes, dadas
pelos melhores dos Mestres. Por vezes os músculos dos braços e das
pernas doem-me como se os vinte e picos anos de prática regular de
yoga, nos quais se incluem sete desta linha, nunca tivessem existido.
De vez em quando noto pequeníssimos progressos e o meu coração pula,
alegre, de surpresa.
Ao descer do "terraço", a sala ampla com janelas rasgadas sobre
buganvílias, palmeiras, acácias e araucárias, onde funcionam as aulas
do curso intermédio que estou a frequentar, avisto, no enorme "Salão
Nobre", onde praticam e têm aulas os mais avançados (entre os quais se
conta a minha "Mestre Viva", do "nosso Patanjali", queridíssima
companheira desta viagem), ilumina-se-me a cara com um sorriso ao
avistar, ao fundo o Guruji BKS Iyengar. "Vi claramente visto o Mestre
Vivo", escrevi numa das primeiras SMS que escrevi à chegada...
Nas três últimas manhãs tenho encontrado, no caminho e no portão de
saída para a rua um monte de seguranças, fardados, mais a pompa e
circunstância que costumam
assinalar a deslocação de figuras públicas -no caso, dizem-me que se
trata de um importante ministro, que também está a ter aqui aulas.
Avanço uns passos para a esquerda e bebo um delicioso leite de côco,
depois de ter dado 15 rupias ao homem com o carrinho carregado de
côcos, que já fotografei com a devida autorização e que poderia ser
visto aqui, se a minha sabedoria informática ajudasse.
índia do SuI
Desconheço se algum outro grande poeta terá dedicado a sua atenção "ao blog em construção"...
Passos incertos. Passos em volta.
No espaço de um ano 2 visas para a India, duas experiências bem diversas. A primeira, mais de turista ocidental/acidental, a 2ª mais de proximidade com a realidade quotidiana, menos filtrada, tanto quanto isso é possível. Ambas enriquecedoras.
Se houver próxima ( e peço a todos os deuses do panteão indiana que haja) desejo que seja mais longa. Só um mês é demasiado pouco. Estou a meio da estadia e já me parece que o tempo está a encolher.